O povoamento do Rio Grande do Sul se fez de forma tardia em relação a outras regiões do Brasil. Inicialmente, baseou-se em interesses estratégicos de ocupação de território, com a introdução do imigrante açoriano em pequenas propriedades. Antes disso, vigorava no território o abate bovino para consumo e a captura de mulas para o transporte na região das minas. Somente com o desenvolvimento das charqueadas, a partir da segunda metade do século 18, houve a possibilidade de um real aproveitamento da carne bovina, o que veio a favorecer o desenvolvimento da região da campanha gaúcha, com as estâncias de criação de gado. Esse tipo de negócio determinou o acumulo de riquezas para estancieiros, charqueadores e de cidades como Pelotas, que logo sobressaiu como a principal representante dessa atividade no Estado.
A indústria do charque se instalou, definitivamente, no Rio Grande do Sul, a partir da charqueada pioneira de José Pinto Martins, em Pelotas, no ano de 1779. Desde então, graças à ampliação do mercado consumidor de charque, devido ao desenvolvimento da lavoura, no centro e norte do país, foram se multiplicando as charqueadas na cidade, resultando num único centro produtor, que perdurou por mais de um século, explorando a mão de obra escrava. O trabalho nas charqueadas era tão duro e estafante que o tipo de mão-de-obra adotado foi o trabalho compulsório dos negros.
Na época da safra do charque, os escravos tinham uma jornada de trabalho que chegava a ultrapassar 16 horas diárias. Já nos períodos de entressafra — de maio a outubro — eram deslocados para as olarias, na fabricação de telhas e tijolos, e para a construção dos casarões que hoje formam o meio urbano de Pelotas. Havia dois tipos de escravos nas charqueadas: os qualificados e os sem qualificação. Os escravos qualificados eram os que estavam inseridos no processo de produção e no transporte do charque, eram a maioria entre os cativos. Os sem qualificação realizavam todos os outros tipos de serviços. Entre estes se encontravam as mulheres, em número menor do que o de homens, que participavam, sobretudo das atividades domésticas. Havia uma média de oitenta e quatro cativos por charqueada, podendo ocorrer uma leve variação desse número de acordo com o período. Em Pelotas, parte do século 19 caracterizou-se, em termos populacionais, por uma ampla maioria negra. O Passo dos Negros, por exemplo, anteriormente Passo Rico, passou a se chamar assim devido ao intenso comércio de escravos que ali se dava.
A riqueza e a opulência da cidade de Pelotas, alcançadas durante o ciclo do charque, foram geradas através da força de trabalho escravo nas charqueadas. Os negros vinham dos mercados centrais do Brasil, eram levados até Rio Grande e depois para as charqueadas de São Francisco de Paula, onde eram submetidos a exaustivos regimes de trabalho, tratados com rigor e violência, o que ocasionava muitas fugas, suicídios, abortos e infanticídios. Outras pequenas resistências também ocorriam no dia a dia, como fugas noturnas para encontros amorosos, bailes, jogos de azar, a manutenção das tradições culturais e religiosas, pequenos e grandes furtos, sabotagens, confrontos corporais, assassinatos dos senhores, de sua família, dos capatazes e capitães do mato, envenenamentos, além de insurreições e formação de quilombos.
A resistência escrava durou até o fim do regime escravista, em 1888, pois, ao contrário do que afirma parte da historiografia tradicional, o regime escravista não teve seu fim antecipado em 1884, como ocorreu em Pelotas. A falsa abolição de 84 é fruto de uma campanha abolicionista que resultou na obtenção de um grande número de cartas de alforria por parte da escravaria e da troca de favores políticos com o Império. Porém, a obtenção das cartas necessariamente não traria a liberdade imediata aos cativos, pois a maioria das cartas passadas naquele ano trazia consigo cláusulas de prestação de serviços. Cláusulas essas que mantinham os escravos, apesar de possuírem sua alforria, ligados a seus senhores. O não cumprimento das obrigações legais, estipuladas em tais documentos, poderia levar a anulação das mesmas. Assim, as fugas, as revoltas, os quilombos e demais resistências, permaneceram até 1888 quando da promulgação da Lei Áurea, lei que assinalou o término oficial da escravidão, mas não o fim das lutas dos negros por sua cidadania.